"ISABEL CERQUEIRA MILLET - TESTEMUNHO SOBRE GUILHERMINA SUGGIA - (MAIO DE 2006)
Isabel Cerqueira Millet, aqui no último Natal. Faleceu anteontem com 93 anos.
Cerca dos meus 10 anos, meu pai fez-me sócia do Orfeão Portuense, cujos concertos se realizavam no Teatro Gil Vicente, no Palácio de Cristal. Fui ouvir um concerto de Guilhermina Suggia e do professor Luís Costa, que constava de duas sonatas, uma de Beethoven, outra de Brahms. Esse concerto impressionou-me de tal maneira que marcou para sempre a minha vida!
Desde então não largava meu pai, dizendo que queria aprender violoncelo. Meu pai acabou por ceder, tendo eu por primeiro mestre o professor Augusto Suggia, pai de Guilhermina. Terminado um ano de lições, o professor Suggia faleceu, e fiquei portanto sem aulas. Com meu pai violinista e minha tia Olinda pianista, pratiquei muito, executando trios de Mozart, Beethoven e Haydn.
Cerca dos meus dezoito anos e graças à grande amizade da professora Ernestina da Silva Monteiro, grande amiga e colaboradora de Suggia, consegui obter uma audiência com a grande Artista. Esta recebeu-me com certa severidade, declarando desde logo só ensinar professores e artistas. Deixou no entanto uma esperança, dizendo que se encontrasse uma oportunidade, e achando-me algumas qualidades, se lembraria de mim! Essa oportunidade chegou três anos mais tarde, quando nos contactou dizendo que tinha em sua casa uma senhora inglesa, sua antiga aluna, e que essa senhora me daria lições. Trabalhei duramente durante uns três meses com essa excelente professora, Miss Jean Marcel.
Suggia muito frequentemente assistia às aulas e tinha quase sempre qualquer observação preciosa a fazer, modificando uma arcada, ou uma dedilhação, a fim de tornar uma frase mais musical, ou facilitando a execução de uma passagem mais difícil.
Com o começo da Guerra 1939-45 , Miss Marcel regressou a Inglaterra. Bem impressionada com o meu esforço e progressos, Suggia continuou a dar-me lições com bastante assiduidade. Gostava muito de ensinar, pois entregava-se completamente ao aperfeiçoamento de uma obra musical. Trabalhava arduamente a técnica, pois não estando esta dominada, não poderia haver liberdade de interpretação. Em sua casa passei momentos inesquecíveis, assistindo aos ensaios da grande artista com a professora e pianista Ernestina da Silva Monteiro e a professora D. Maria Adelaide Freitas Gonçalves, também pianista.
Passou a existir uma grande amizade entre meus pais e Suggia, que sentia que minha família era um pouco a sua. Tive também a felicidade de assistir em Lisboa e Porto aos concertos para o Círculo de Cultura Musical em que Suggia colaborou acompanhada pela Orquestra Nacional, debaixo da direcção do Maestro Malcolm Sargent. Ouvir e ver esta grande artista nos seus concertos, era qualquer coisa de mágico, cujo fascínio nunca se poderá esquecer!
Em 1948, data da inauguração da Orquestra do Porto, da qual passei a fazer parte, senti grande emoção quando Suggia actuou no concerto inaugural, tocando o Concerto de Saint-Saens e o Kol Nidrei de Max Bruck. Momentos de grande beleza e emoção que nunca poderei esquecer durante a minha já muito longa existência!
Porto, Maio de 2006
do catálogo da exposição "SUGGIA, O Violoncelo" que decorreu na Casa-Museu Guerra Junqueiro - PORTO"
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